sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Não basta falar eu te amo, precisa agir eu te amo

Ele sabia que não tinha razão. Perigava perder a moça.  Pensou rápido, sacou um Eu te amo, atirou na direção dela. Deu certo!  Inimigo atingido em cheio! Vencida pela emoção, meio tonta pela surpresa, ela se rendeu. Primeiro round: moça na lona, moço 10!
Ele se valia disso, sempre dava certo, nunca falhou. Quer dizer, dava certo por algum tempo. Depois, com a repetição dos sumiços, das pisadas na bola, ia perdendo a força.  Os Eu te amo, em confronto com suas atitudes, o pouco investimento, a falta de atenção, já não colavam mais. Ele falava Eu te amo. Mas não agia Eu te amo, não havia amor no que fazia. Amor é olhar brilhando, atenção, interesse, estar por perto do jeito que puder. Isso é amor, entre outras coisas - e nenhuma delas vinha do rapaz.
Ele  fazia um estilo ioiô. No impulso que dava para se aproximar, já pegava o embalo para o caminho de volta. Era um perto/longe constante, desesperador para a outra parte.
A moça, já chateada, tinha dado um ultimato. Ele, ameaçado, blefou. Poker face, jogador profissional. Amava mesmo? Jamais saberemos. Nem vem muito ao caso. Porque mais importante do que se enredar nesse emaranhado de emoções ambíguas é pensar se vale a pena essa relação montanha-russa, esse amor de altos e baixos.
Para a moça, no início, valia cada segundo perto. Mas, o vácuo que vinha a seguir, a ausência injustificada, as desculpas ocas que se seguiam e a dor do abandono jogavam tudo por água a baixo. Não compensava. Aquele barco estava fazendo água, ia afundar. Questão de tempo, uma tragédia anunciada.
Impossível dar seguimento à vida quando se vive num mar revolto. Consome toda a energia, o pensamento dissipa, a vida cansa. Ela também percebia que estava e não estava em todo o resto. Porque a dúvida e a ruminação mental não dão trégua. O tumulto interno da insegurança come por dentro, a frustração faz tremer a alma. Será que valia mesmo a pena?
Não valia. Pelo menos para ela, depois de muitas tentativas, já não valia mais. Porque ela tinha uma vida inteira de tarefas e afetos começando a engarrafar, precisava desviar o foco, tomar decisões, dar seguimento às suas coisas. Nenhuma vida deveria ser restrita às idas e vindas de um amor.  Era preciso ir além do ele sumiu /ele voltou.
Percebia que aquela relação, que ela nem sabia exatamente o que era, não ia bem. Tinha medos. Medo de dispensar o rapaz e se arrepender. E se aquela fosse realmente A vez em que iria dar certo? E se ele tivesse mesmo mudado? Será que era ela que exigia demais? Se voltou é porque tinha sentido sua falta. Então, gostava, não gostava? E assim passavam as horas, a moça e as horas da vida da moça.
Ela tinha sonhos, muitos e coloridos. Tentava encaixar o rapaz neles. Ele ficava como o sapato de cristal no pé das irmãs da Cinderela. Meio sonho apertado na frente, meio sonho descoberto atrás.
Pensava em tomar uma decisão. Mas, na hora H, o medo olhava no fundo dos seus olhos, de dentro para fora, e ela paralisava insegura.  Medo interrompe o caminho, embota o raciocínio, embaça a visão. Medos espreitam no escuro da mente, envenenam a calma. O medo infecta a alma como um vírus faz com o computador. De repente, tudo perde o comando, não obedece mais.  Você não consegue mudar de página. Suas teorias apagam. Conhecimentos, que poderiam ser fundamentais para o momento, somem. Você perde dados e experiências anteriormente adquiridas a duras penas.
Medos são venenos que compramos para nós mesmos. Lemos a bula, compreendemos as contraindicações e, em vez de jogar o frasco fora, aumentamos a dosagem, e tomamos religiosamente. Porque me amarro com meu medo, em vez de me soltar e correr? Porque me enveneno de temores, em vez de rumar para a liberdade e a paz?
Não era o rapaz que prendia a moça. Ele mentia, inventava, fazia curvas para fugir de explicações? Sim. Mas quem prendia a moça era a própria moça que, livre para dizer não e partir, permanecia na ratoeira. Tinha a chave, mas não destrancava a porta da prisão.
O coração avisa, a gente cisma em não escutar. A intuição aponta, a gente vira o rosto. Temos sirenes internas e ignoramos o risco de desabamento.
É preciso reagir. Interromper as doses de veneno, pensar diferente, ousar, se permitir uma chance, um novo movimento e ir além.  A vida pede coragem. Exige que se escolha o melhor possível, que não se acomode com o que maltrata, destrata ou é ruim. O que dói, o que machuca, não é amor.
Tomara que, quando o rapaz voltar, pela milésima vez, ela não esteja mais lá. Num lampejo de coragem, tenha desfeito as amarras, levantado âncora e zarpado em busca de novos mares. Esse seria um final mais feliz.
* Mônica El Bayeh, carioca, é psicóloga. Leia seus outros textos aqui e conheça seu blog pessoal.

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